domingo, 7 de novembro de 2010

O luto pós-eleição: a reação dos fascistas brasileiros

Fiquei um tempo sem escrever, triste com o resultado das eleições. Porém, nessa semana, foi noticiado um movimento anti-nordestino nas redes sociais. Considerar os nordestinos "inferiores" é fascismo e deveria (talvez até seja) ser considerado crime.

Boa parte das críticas destes bastardos lambuzados de ignorância reside no efeito eleitoreiro que os programas sociais provocam. O principal alvo é o bolsa-família. O nordeste abriga a maior parte dos pobres brasileiros (de renda e educação) que recebem o benefício. Devido a errônea atribuição do cerne do programa ao PT, os nordestinos acabam por votar sempre nos candidatos do partido. Aí surgem frases estúpidas como:
"O nordeste não se paga" e "Não pode dar dinheiro para pobre". E não foi a "direita" (que no Brasil não é tão direita assim) que criou o programa?

Deixando a questão político-eleitoreira de lado, vou fazer uma análise fria da arquitetura do programa.
Como a análise é extensa, tenho quase-certeza que os críticos fervorosos e os fascistas vão ficar com preguiça de ler...

1º) A aceitação que é um grande problema
Do mesmo modo que a saúde e a segurança pública são problemas sociais, a pobreza, o trabalho infantil, a (falta de) educação também são. O Brasil conta com aproximadamente 20 milhões de pobres oficiais. Isso é mais de 10% da população! É quase duas vezes a população de Portugal ou equivalente a população da península escandinava, formada por Suécia, Noruega e Finlândia. E ainda há indícios que este número está subestimado (notícia aqui)...

2º) Os objetivos do programa bolsa família
Retirado do site do Ministério do Desenvolvimento Social (link aqui):
"O Programa possui três eixos principais: transferência de renda, condicionalidades e programas complementares. A transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social. Já os programas complementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade."
As crianças beneficiadas devem ter um percentual mínimo de presença em sala de aula (educação + erradicação do trabalho infantil). Mais exigências são feitas. Pesquisem, caso queiram criticar.


3º) Os valores
Aqui reside a maior parte da ignorância das pessoas, que criticam o programa sem se informar. Já cansei de escutar: "Aí fica o malandro sem trabalhar, tendo vários filhos, só para receber o bolsa-família". Salvo algumas cidades minúsculas no agreste nordestino (eu vi reportagem na TV, não consegui achar algo escrito), é difícil imaginar que uma pessoa irá deixar de trabalhar para receber cerca de R$200, valor máximo pago por família.
"O benefício atual é composto de duas partes:  a) R$60 para famílias com renda  per capita inferior a R$60, independentemente do número de filhos; e b) para famílias com crianças com idade inferior a 15 anos e renda per capita inferior a R$120, há um benefício adicional de R$18 por filho, sendo que há um limite de três crianças por família." (Soares, Ribas e Soares; 2009)
Não adianta a família ter quinze filhos, ela receberá o incrível valor de R$18 apenas para três filhos (total R$54).


4º) As pesquisas já divulgadas
Rocha (2005) e Hoffman (2006) comprovaram que o programa diminui a desigualdade de renda, que é um resultado consenso na literatura. Pedrozo (2006) atesta a diminuição da evasão escolar entre as crianças  de 10 a 15 anos, sendo o impacto nas famílias extremamente pobres ainda maior. Isso tem efeito claro sobre o trabalho infantil. Schwarstman (2006) acrescenta a estes resultados a melhoria progressiva do acesso à educação e da disponibilidade e custos reduzidos de alimentos e bens de consumo duráveis. Lindert et al (2007), em um artigo do Banco Mundial, não escrito por brasileiros, dão suporte às conclusões de trabalhos anteriores e também a relativa eficácia do modelo descentralizado, cujo repasse é direto aos beneficiados, sem intermediários, o que diminui o desvio de recursos. Duarte, Sampaio e Sampaio (2007) averiguaram que a maior parte do acréscimo de renda fornecido pelo bolsa-família, como era esperado, é utilizado na compra de alimentos. Haddad (2008), no Journal of International Development, também confirma o benefício social e diz que, apesar de problemas locais, o modelo de distribuição adotado é o mais eficiente. Tavares (2008) estuda a oferta de trabalho das mães após a implantação do programa. Ela notou que houve redução de 10% nesta, considerando apenas as mães dentro da faixa de renda requerida. O argumento é adicionado de que essa atitude tende a melhorar a saúde das crianças. Soares, Ribas e Soares (2009) sugerem propostas de ampliação da base de beneficiados. A expansão, de acordo com os autores, não implica em perda de focalização, vide a expansão realizada até 2006. A ideia é diminuir o saldo de famílias pobres não atendidas, que está entre 5 e 10 milhões.

5°) Os desafios que ainda restam ao programa
Hall (2008) vai no calcanhar de Aquiles do programa: o apelo eleitoral. Com certeza o programa traz distorções sérias no cenário político nacional. O autor alerta também da criação de uma dependência das pessoas em relação ao estado. Por fim, diz que os recursos empregados poderiam ser utilizados em educação, saúde etc. Eu discordo do último ponto, ao menos enquanto a pobreza for um problema de tamanha proporção. Haddad (2008) sugere focalização nas regiões com problemas distributivos, visando reduzir a repartição irregular do programa.

Concordo que o programa poderia ser melhor, como qualquer política pública. As sugestões estão aparecendo nas pesquisas. Quanto a questão eleitoreira, é por pura incompetência dos partidos de "direita" que as pessoas atendidas votam na "esquerda". Deveriam divulgar melhor a ampliação do programa e suas origens, sobretudo no nordeste.

6°) As críticas mais comuns (sem fundamentos)
"Tem que dar trabalho, não dinheiro" ou "Tem que ensinar a pescar ao invés de dar o peixe"
Se resolver o problema de desemprego fosse fácil, não teríamos desemprego recorde nos EUA e na Europa. Além disso, o próprio sistema capitalista pressupõe a existência uma taxa de desemprego, com a finalidade, dentre outras, de manter a estabilidade de preços.

"Eu já vi gente que parou de trabalhar para receber a bolsa"
Esse nunca ouviu falar de estatística. Estamos falando de um programa de mais de 11 milhões de beneficiados. Para cada pessoa que você vê sem trabalhar, apenas usufruindo do benefício, existem milhares trabalhando, utilizando o benefício para complementar a renda. Quem está trabalhando não está na rua para você ver.

"Dar dinheiro aos produtores rurais movimenta a economia, dar dinheiro aos pobres não"
Como já foi elucidado, os pobres consomem todo o benefício que recebem. Alguém tem que produzir para os pobres consumirem. A indústria e o comércio de alimentos agradecem todos os dias pelo programa. O efeito multiplicador também se dá na indústria e comércio de fármacos. Você já viu algum empresário de médio ou grande porte reclamar do programa? Só os que não tem visão estratégica reclamam. Estes são, em geral, os pequenos empresários.